A trajetória do perdão



Esses dias eu li a história de uma iraniana que ganhou na justiça o direito de se vingar do seu agressor que lhe cegou com ácido sulfúrico. Ela vai devolver na mesma moeda e o cegará também. A justiça iraniana permite esse tipo de revide, pois lá aplicam o “olho por olho e dente por dente”. Ela justificou seu desejo dizendo que a forma de amenizar sua dor de anos é saber que ele também a sofrerá. Na verdade, ela escolheu conviver com essa dor para sempre.

De todos os ensinos de Jesus, o perdão é, sem dúvidas, o mais sensível. Ele ensinou que esse ato deve ser contínuo e não pode ser retido, não importando o que sofremos ou quem nos feriu. Jesus também nos ensinou que o pecado está relacionado a um débito e perdoar significa abrir mão dessa cobrança. No original, perdoar é abandonar (Mt 18: 15-35).

A grande dificuldade de se perdoar está justamente nisso. Hesitamos em abrir mão do nosso direito de justiça ou revide. A injustiça é que mais nos machuca e mata por dentro. Ninguém tiraria de letra a dor da morte brutal de um inocente filho, a perda de um familiar em um acidente de trânsito com um condutor embriagado, uma traição, uma agressão.

O perdão é um caminho que deve ser caminhado. Ele não está disponível em nós. Tem de ser construído. E essa construção é muito dolorosa, pois exige, muitas vezes, que reencontremos o agressor, que presenciemos a cena do ocorrido, que, de certa forma, traz à tona o sofrimento vivido. Eu não quero ser hipócrita em afirmar que o perdoar é uma tarefa fácil e livre de dores. É difícil, mas muito necessária.

Voltemos ao ensino de Jesus? Ao ensinar sobre o perdão, Ele ensinava sobre a essência do Evangelho. Fomos perdoados mediante à obra que custou Sua vida. O que havia contra nós foi abandonado, foi esquecido, foi cancelado. Éramos injustos, inimigos de Deus, mortos em nossos pecados. Ele ensinou sobre o que perfeita e eternamente fez na cruz. Ele sabia o que estava falando.

Portanto, há uma expectativa de Jesus, pois ele espera que tenhamos a mesma atitude que Ele teve conosco. E é errado condicionar essa atitude ao merecimento. Às vezes perdemos tempo esperando que o agressor mereça o perdão. Perdão é justamente para aqueles que não merecem, que não são dignos dele. Ou éramos merecedores do perdão do Pai?

Eu já tive que perdoar e buscar perdão. E nesses meus poucos anos de vida, descobri que o ato de perdoar está associado a três fatores. Uma vez que eles nos influenciam, tudo se torna mais fácil e somos os mais beneficiados.

Primeiro, a concessão do perdão é fruto de uma paz interior inexplicável. Só quem a tem é capaz de perdoar. Não a paz que o mundo dá, mas a paz de Cristo, que excede todo o nosso entendimento. E essa paz não vem de explicações, de justificações. Ela vem de clamor por socorro ao Príncipe de toda paz.

Segundo, perdoar é uma escolha nossa. Uma escolha espontânea. Não pode haver constrangimento. O perdão se inicia em nós mesmos. Olhemos para Deus que espontaneamente enviou seu próprio filho para perdão de muitos. Não há exemplo maior do que este.

Terceiro, ele nos liberta. Somos os maiores beneficiados com ele. É o que cura as nossas próprias feridas. A dor que ninguém pode mensurar, ele destrói. A vingança é o oposto: ela alimenta o ódio, o rancor e nos mata dia a dia.

De tudo o que se espera de nós, a capacidade de perdoar é, por excelência, o que atesta a transformação de Cristo em nossas vidas. Por isso os não salvos encontram tanta dificuldade em praticá-la. Acho que sei que eles fazem. Rejeitam a trajetória até o perdão e tomam atalhos. Esse é o problema. Eles se tornam vitimas de si mesmos.

Tiago Lino

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